Na comunidade da Barra do Ceará, em Fortaleza (CE), a Casa de Vovó Dedé tem se consolidado como uma referência de transformação social. Atuando há mais de três décadas, a instituição desenvolve um trabalho robusto voltado à educação, arte, formação profissional e inclusão, sempre com foco nas populações em situação de vulnerabilidade social. Dentro desse ecossistema de acolhimento e desenvolvimento humano, uma das iniciativas mais impactantes é o projeto Não à Fome – uma ação que aglutina projetos independentes, mas que juntos combatem a insegurança alimentar e promovem autonomia para dezenas de famílias.
O Não à Fome é uma das principais frentes de atuação da Casa de Vovó Dedé. Seu foco vai muito além da assistência alimentar: ele parte do princípio de que o alimento é um direito, mas também uma ponte para o desenvolvimento pessoal, familiar e comunitário. O projeto combina a oferta diária de refeições – café da manhã, lanche da manhã, almoço, lanche da tarde e jantar – à distribuição mensal de cestas básicas para idosos cadastrados e distribuição diária de 190 sopas para moradores (muitos deles moradores de rua) da comunidade. No entanto, o maior diferencial está na sua estrutura formativa e empreendedora, articulada por meio de cinco subprojetos que se complementam:
- Mãos de Trigo – Escola de Gastronomia Comunitária
- Horticultura Familiar / Fazendinha Urbana
- Empreendedorismo Comunitário
- Ações de Comunicação e Divulgação
- Programas de TV e Podcasts sobre alimentação saudável
Escola de Gastronomia: onde o alimento vira oportunidade
A Escola de Gastronomia Comunitária Mãos de Trigo é o coração pedagógico do programa. O curso é voltado especialmente para mães de alunos atendidos pela Casa, que vivem em situação de vulnerabilidade social e econômica. A cada ciclo de nove meses, 15 mulheres são capacitadas em um percurso formativo que passa por três pilares da gastronomia: Panificação, Confeitaria e Cozinha Básica – cada etapa com duração de três meses. O objetivo é claro: formar, certificar e inserir essas mulheres no mercado de trabalho ou em seus próprios negócios.
Mas a formação vai além da prática de cozinha. As alunas recebem orientações sobre boas práticas de manipulação de alimentos, reaproveitamento de ingredientes, sustentabilidade no descarte de resíduos, além de noções de gestão, marketing e empreendedorismo. Também aprendem a montar ficha técnica de produtos, conforme as normas da legislação vigente. Esse conjunto de saberes permite que elas saiam preparadas para empreender de forma profissional e autônoma.
Empreender para transformar
Ao final do curso, a Casa não apenas entrega um certificado. Cada aluna recebe gratuitamente um “Kit Produção” completo, que inclui fogão, geladeira, freezer, micro-ondas, utensílios, ferramentas e tudo mais necessário para iniciar um negócio em casa. As residências são adaptadas e equipadas para funcionarem como unidades produtivas autônomas. Além disso, a Casa fornece a matéria-prima inicial e se responsabiliza por toda a cadeia de comercialização – da compra dos insumos à distribuição dos produtos.
Essa estrutura permite que as mulheres iniciem a produção de alimentos como bolos, salgados, quentinhas e outros produtos com qualidade e respaldo técnico. Os produtos são vendidos com apoio da Casa de Vovó Dedé, e a remuneração gerada vai diretamente para as famílias. O custo operacional é coberto pela instituição. O projeto garante, assim, não apenas uma saída para a fome, mas uma porta de entrada para a independência econômica e para o protagonismo feminino.
Para Maninha, chef responsável e coordenadora da Escola de Gastronomia, o impacto é visível:
“As alunas chegam tímidas, muitas sem saber o básico. Saem com autoestima, técnica e confiança. Algumas já vendem seus produtos, ajudam em casa, e até empregam outras pessoas. É mais do que ensinar a cozinhar: é dar ferramenta para mudar de vida.”
Horticultura, sustentabilidade e educação alimentar
Outro pilar essencial do projeto é o Centro de Referência de Agricultura Urbana Sustentável (CRAUS), que atua com a criação de hortas comunitárias e familiares. A ideia é estimular a produção de alimentos orgânicos e saudáveis para consumo próprio, promover segurança alimentar e fortalecer a sustentabilidade dentro das comunidades. Parcerias são firmadas para uso de terrenos na região, onde são criadas pequenas fazendas urbanas com produção orgânica.
As famílias também são orientadas sobre o correto descarte de resíduos orgânicos e não orgânicos durante todas as etapas do projeto, desde o preparo até a comercialização, o que reforça o compromisso da Casa com a educação ambiental e a sustentabilidade.
Comunicação e consciência alimentar
A Casa também investe fortemente em mídias educativas e comunicação popular. A TVDD, canal de televisão da instituição, produz conteúdos próprios como programas de culinária, podcasts sobre alimentação saudável, dicas de reaproveitamento de alimentos e depoimentos das alunas. Além de ensinar e informar, essa frente promove a prestação de contas à comunidade e inspira outras famílias a acreditarem em seu potencial de mudança.
Chamado às empresas: o papel do setor privado
Para ampliar o alcance do projeto e garantir sua sustentabilidade, a participação da iniciativa privada é fundamental. Joelce Cunha, administrador do projeto faz um apelo direto:
“O projeto Não à Fome precisa de empresas que queiram caminhar junto, como patrocinadoras. Cada valor investido aqui alimenta não só um corpo, mas uma história. Estamos oferecendo uma solução real, com impacto social mensurável, e convidamos empresas conscientes a serem parte dessa transformação.”
Impacto com metas claras
O objetivo central do projeto é impactar positivamente a vida de mulheres e suas famílias, resgatando a dignidade e a autonomia através da educação gastronômica e do incentivo ao empreendedorismo. Seus objetivos específicos incluem:
- Transformar a realidade de mulheres em situação de risco;
- Planejar com elas projetos de vida;
- Inserir no mercado de trabalho ou no empreendedorismo;
- Reduzir a fome com distribuição de alimentos prontos e cestas básicas;
- Promover educação alimentar e saúde preventiva;
- Melhorar a qualidade de vida de famílias inteiras.
A ação está alinhada com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU até 2030, com destaque para segurança alimentar, igualdade de gênero, trabalho decente e crescimento econômico.
Muito além da comida no prato
O projeto Não à Fome é mais do que uma ação assistencial. Ele une comida, educação, trabalho, sustentabilidade e protagonismo feminino em um ciclo virtuoso de transformação. Em vez de apenas atender emergências, constrói caminhos permanentes. Em vez de depender, ensina a empreender. Na cozinha, essas mulheres não apenas preparam receitas – elas estão cozinhando o próprio futuro. E a Casa de Vovó Dedé segue sendo o espaço onde isso começa a acontecer.